A realização pela humildade e pelo desapego

 

Há alguns anos venho estudando e tentando praticar o desapego. Inicialmente é complicado entender bem o que vem a ser isso, ainda mais quando vivemos numa sociedade onde o acúmulo de bens é a base de todas as crenças de sucesso. Muitos pensam que um ser desapegado é aquele que consegue viver tranquilamente sem muitos bens materiais. Esse conceito não deixa de estar certo, mas o desapego é muito mais, é um estado de vida.

Quando você se aceita como é, livre de julgamentos e expectativas, quando você aceita o outro, aceita a vida e as situações que lhe ocorrem, como conseqüências de escolhas, você está sendo desapegado.

Nós, muitas vezes, nos apegamos a dores, problemas, sonhos, alegrias e esquecemos que a vida segue um fluxo próprio, onde quase nunca temos controle das situações. Apegar-se é desejar ter total controle do que nos ocorre e talvez essa seja a maior causa de todos os sofrimentos. Sofremos porque não temos aquilo que queremos e ao nos prendermos nessa dor, esquecemos de observar todas as outras oportunidades que a vida nos oferece.

Na busca pelo controle e pelo sucesso, esquecemos de escutar aquilo que o nosso coração nos mostra como caminho, deixamos de sentir o que de fato nos importa e vamos em busca de algo que racionalmente acreditamos que seja bom. Estamos sempre atentos ao que os outros pensam de nós, queremos ser perfeitos e bem sucedidos, ganhar muito dinheiro para comprar o que quisermos e, assim, viver para todo o sempre, enquanto a nossa beleza permitir.

Nesse jogo esquecemos que a vida é maior que nós mesmos e é ela quem manda. O ‘acaso’ nos traz situações muitas vezes difíceis de aceitar, porque não queremos enxergar os sinais que nos são dados. Estamos sempre tão ocupados em querer controlar, que sofremos a cada vírgula que sai do lugar. Mas se algo não saiu da forma como gostaríamos, por que não simplesmente dar a volta na situação e exerga-la por um outro ângulo?

Esta reflexão de hoje foi inspirada por um texto do Tao-Te-Ching* que diz assim:

 

“O Ceu é constante, a Terra é constante.

Consequentemente, Céu e Terra podem durar além da eternidade.

Porque eles não geram a si mesmos é que conseguem gerar eternamente.

Portanto, o Sábio coloca-se atrás e mesmo assim é o primeiro;

Coloca-se fora e mesmo assim existe.

Não seria por causa de sua não-individualidade que, estranhamente consegue realizar sua individualidade?”

 

Que 2013 seja o ano do verdadeiro desapego e que possamos ser humildes o suficiente para entendermos os caminhos que a vida nos traz, e aceitá-los com amor, paz e aprendizados. E que esse caminho nos ajude a realizar a nossa verdadeira personalidade, sem medos e sem apegos.

Feliz vida a todos nós!

 

* O Caminho Sábio: Tao-Te-Ching como fonte de inspiração pessoal. Roberto Otsu. Ed. Ágora

Transformando flechas em flores – O desafio Plutoniano

 

foto: Juliana França

foto: Juliana França

Tenho pensado muito sobre a não agressão e a cultura de paz. Como sermos pacíficos, generosos e cheios de compaixão numa cultura e numa sociedade que nos incita simplesmente o contrário disso tudo?

Recentemente passei por algumas situações que me geraram muita raiva. Todos nós passamos por situações assim, esse não é um privilégio meu. E geralmente, nesses momentos, acumulamos aquela raiva por determinada pessoa ou situação e nos deliciamos ao alimentar cada pensamento negativo, ao soltar cada palavra recheada de mágoa, como se ao falar e contar para outras pessoas esse sentimento fosse desaparecer ou ao menos melhorar, mas mal nos damos conta de que ao fazer isso, em cada gesto, cada olhar, cada pensamento e cada palavra, estamos alimentando mais ainda esse sentimento ruim, que vai aumentando até virar um monstro.

Há uma história de que na noite em que Buda atingira a sua iluminação, ele se sentou sob uma árvore. Enquanto ele estava ali, foi atingido por uma tropa que lançou várias flechas contra ele, mas antes de atingi-lo essas flechas viraram flores. E como isso é possível?

Após ler essa história, fiquei dias refletindo sobre isso. Em como muitas vezes transformamos simples flechas numa tremenda batalha. Às vezes nem percebemos o que está sendo lançado contra nós, apenas vemos uma certa movimentação e já nos levantamos com as nossas armaduras, prontos para a revanche. Nesse movimento nos deixamos contaminar por nossos pensamentos e suposições, já armamos o campo de batalha, damos nomes aos inimigos e imediatamente começamos a chamar gente para a guerra, afinal, temos que ter o maior numero de pessoas ao nosso redor. E assim, quando menos percebemos, a batalha está formada. Passamos grande parte do nosso tempo arquitetando as estratégias para destruir o inimigo e sair ileso da briga. E, de repente, as simples flechas se transformaram (em nossa cabeça) num arsenal de armas perigosas. E tudo isso pra quê?

Fazendo um paralelo com a força Plutoniana*, percebemos que sentimos isso quando algo ameaça a nossa felicidade. Quando percebemos que algo ou alguém surge para tirar aquilo que nos gera prazer, imediatamente somos tomados por uma raiva imensa, uma vontade destrutiva sem igual.

Plutão traz transformação, morte, poder. É uma força externa que age em nossas vidas causando um grande abalo, e, muitas vezes, gerando muita raiva. Eu costumo dizer que existem três fases de lida com a força plutoniana: a fase cobra, águia e fênix. A fase cobra é quando só alimentamos o veneno da raiva e tudo o que mais desejamos é destruir a pessoa/causa que nos gerou tamanha dor. Rastejamos e temos o olhar fixo em um único plano: o da destruição. A fase águia é quando conseguimos sair da situação (e da raiva) e observar por outro ângulo. É quando começamos a ter uma nova percepção sobre os fatos e aceitar o acontecido. Já a fase fênix é quando após ter essa nova visão, transcendemos e transformamos a nossa dor em aprendizado. Não é fácil passar por essas três fases ao lidar com certas dores, mas um olhar pacífico, um sentir não violento, sempre é mais acolhedor que o acúmulo de raiva e rancor. Afinal, ao acumular esses sentimentos negativos, só fazemos mal a nós mesmos.

Ao lidar com os pedidos de transformações que a vida nos traz, precisamos tentar ver flores ao invés de flechas. Plutão mata (física e simbolicamente), mas também transforma e traz poder. Faz parte da dualidade da vida. Como vamos lidar com determinada situação, só depende de nós e da forma como enxergamos os fatos.

Ao sermos atingidos pela raiva por outra pessoa, podíamos fazer um exercício de tentar usar a serenidade e a compaixão para também ver o sofrimento do outro, entender por que ele age assim e como também sofre. Não somos seres isentos de sentimentos. No fundo, o que todos nós buscamos é a nossa felicidade. E entender e aceitar isso nos ajuda a ver flores no lugar de flechas. Não estou dizendo que isso nos isenta da responsabilidade de determinadas atitudes, mas essa visão nos ajuda a ter um olhar mais generoso em relação aos acontecimentos. Só somos capazes de perdoar o outro, se formos capazes de perdoar a nós mesmos. Por isso, experimente abaixar as armas de vez em quando. Talvez a outra pessoa precise apenas de um pouco de compreensão e amor, assim como você e todos nós.

 

*Para entender mais sobre Plutão, leia:  

– Sobre dúvidas astrológicas: mini-guia para principiantes

– Quando tudo se desfaz – Plutão em Capricórnio

 

*Livros indicados para momentos turbulentos:

– Quando tudo se desfaz – Pema Chödrön, Ed. Gryphus

– Iluminação Cotidiana – Yeshe Chödron, Ed. Gaia

– O Livro das Emoções – Bel César, Ed. Gaia

– O Caminho Sábio – Roberto Otsu, Ed. Agora