por Juliana França | abr 25, 2017 | Auto-conhecimento
Foto do projeto: Somos uma por @sitah_photoart
Tenho 31 anos e recentemente fui diagnosticada com endometriose profunda, ou grave ou sei lá o que. Resumindo, a minha probabilidade de ter filhos é praticamente nula ou perto dos -10%.
Acho que escutar isso foi uma das coisas mais difíceis pelas quais já passei na vida, mesmo eu, que nunca fiz grandes planos em relação à maternidade. É como enterrar uma pessoa que sequer chegou a existir. “Mas Juliana, você é uma mulher livre! Gosta de viajar, seguir seu coração. Você não nasceu pra ser mãe!” “Ah, mas a medicina hoje tá avançada. A Mariazinha da esquina tem endometriose e teve 2 filhos!” “Não fica triste não, você pode adotar!” Essas foram algumas das coisas que escutei. E cada vez que escutava alguém me dando um desses conselhos, me sentia ainda mais devastada.
Sim, eu sou uma mulher livre. Gosto de ir e vir, experimentar, provar o novo. E, justamente por ser livre, gostaria de ter a opção de decisão em relação ao meu útero. Uma coisa é decidir por não ter filhos. Outra coisa é ser sentenciada a não tê-los. E nada nunca tolheu tanto a minha liberdade quanto essa sentença, quanto a não compreensão das dores femininas, iniciando pelas cólicas profundas que eu sentia e negligenciava, por achar que era normal sofrer 4 dias por mês, todo mês.
A endometriose é uma doença séria e que vem afetando milhares de mulheres ano após ano ao redor de todo o mundo. É uma doença silenciosa, em que geralmente as mulheres descobrem quando já é tarde demais. A gente se nega atrás dos remédios para dores, das reuniões que não podemos perder, dos afazeres do dia que não podem ser adiados. Afinal, é normal sentir dor, é normal sofrer, é normal escutar das pessoas o que temos/podemos fazer da vida.
Minha querida amiga, a Mariazinha da esquina não tem um corpo como o meu. Eu sei que você não disse isso por mal, mas cada caso é um caso e a gente precisa entender isso para a endometriose sair dessa zona comum da ignorância.
Meu querido amigo, eu sei que posso adotar. Acho lindo, inclusive. E na ânsia de viver o meu feminino na sua maior potencialidade, adotei 6 crianças atualmente, as quais devoto todo o amor que eu nem imaginava que existia aqui dentro. Adoção, pra mim, é doação. E eu estou me doando por completo nessa minha fase de vida na qual busco pela minha cura. Mas amigo, não minimize a dor de saber que bem provavelmente eu não tenha a capacidade de gerar vida. Dói muito e talvez você nunca entenda.
Meninas, mulheres, amigas, primas, irmãs: não minimizem as suas dores. Jamais. Nenhuma delas. Chore, grite, sofra. Diga ao/a seu/sua chefe, ao/a seu/sua médico(a) que dói. Que você quer investigar melhor. Não se contente com um simples analgésico.
Pra mim, tudo isso só representa uma grande verdade que estamos vivendo nessa sociedade: somos viciados em analgésicos. Em soluções que tiram a dor, mas que não curam o problema. E o problema, amigos, está sempre dentro de nós. Escondido, mas pulsante, aumentando a cada dia. Por isso, escute-se. Investigue-se. Só você pode se salvar.
*Clique para saber mais sobre o projeto: Somos Uma
por Juliana França | fev 8, 2017 | Crianças
Eu sempre gostei do desconhecido. De ser estrangeira. De cruzar fronteiras e me jogar no novo. Devo ter sido algum descobridor em alguma vida passada, desses que se atiravam no oceano em alguma embarcação. Sempre gostei de ondas e também de imaginar. Imagino um mundo colorido, onde só existe felicidade e gentileza. Tento viver nele sempre que a realidade me permite.
O que me liga a crianças? Talvez tudo isso. Toda criança é um pouco estrangeiro. Recém chegado ao mundo, precisam aprender a falar aquele novo idioma. Descobrir as pessoas, os sabores, os costumes e lugares. Todo começo carrega um pouco de inocência e sempre é assim quando chegamos num novo país ou lugar. Assim também é na infância. Um eterno descobrir e viver. Mas um viver com abertura, com entrega.
Crianças se jogam, colocam o dedo na tomada, não têm medo. Aos pouco vão aprendendo para quê serve isso ou aquilo. Não julgam, apenas sentem. Imaginam cookies na areia e transformam cobertores em casas, cabanas, castelos ou piscina. Vivem no presente, pouco se importam com o futuro ou passado. Apenas são, genuinamente. Se têm fome, não fingem. Se sentem raiva, não escondem. Eles são, na verdade, verdadeiros mestres para nós, adultos.
Quando comecei a minha jornada de trabalho e estudos com crianças, não imaginava que tínhamos tanto em comum. Cheguei aqui em Chicago – onde estou estudando Early Childhood Development – e fui percebendo a descontrução que aquele contato com os pequenos começou a me causar. Pois trabalhar com crianças é trabalhar com a alma. E se você não está pronto para se desconstruir por completo, você não está pronto para trabalhar com eles. Eles são pequenos mestres. Mestres que te ensinam sobre a interdependência, a impermanência, o viver no presente e a doação. Cada dia eu aprendo mais e sou mais tocada por eles. E percebo o quanto de criança ainda tenho dentro de mim.
Bem vindo à minha jornada. Aqui contarei sobre as teorias, as descobertas e vivências nesse mundo infantil. E espero que, assim como eu, você também possa se beneficiar desse universo. 🙂
por Juliana França | out 19, 2016 | Auto-conhecimento, Budismo, Psicologia
Foto: Juliana França
Recentemente a palavra gratidão entrou na moda. No início eu confesso que até achei bacana, mas depois me pareceu algo banal, ‘gratidão’ virou o novo ‘eu te amo’. Fácil de falar, difícil de colocar em prática.
Tenho percebido como temos dificuldade em sermos gratos. Estamos sempre buscamos algo que ainda não temos, na esperança de que esse algo nos traga a satisfação plena, tão desejada. A questão é que sempre que atingimos um objetivo, vamos em busca de outro. É a falta, o famoso combustível da neurose, como já dizia Freud. Nada está bom, sempre precisamos de mais. Algo que também nos é inserido culturalmente, pela sociedade de consumo e nosso sistema capitalista. Afinal, o mundo precisa girar e, para isso, precisamos produzir e consumir.
Segunda-feira foi um dia duro. Uma tristeza tomou conta de mim, somada à saudade de estar longe de casa, do meu idioma, do meu país. Não é fácil ser imigrante. É aquela sensação de estar com um sapato que não te pertence. O pé tenta se ajustar e ao mesmo tempo se atrapalha nos passos. Mas caminha. Às vezes dói, faz bolha, como num sapato novo, que ainda não se ajustou ao seu caminhar. E essa sensação aparece não só quando se muda de cidade ou país. Ela surge toda vez que sofremos alguma mudança na vida. Não é fácil mudar, sair da sua zona de conforto, se adaptar ao novo. E segunda-feira foi um desses dias de bolha no pé, onde eu desejei fortemente calçar os meus sapatos antigos, já confortáveis e adaptados aos meus passos.
E onde entra a gratidão nisso tudo? Pois, voltando pra casa no fim do dia, falando com uma amiga por mensagens enquanto estava no metrô, percebia que ela, com a vida que eu desejava pra mim naquele exato segundo, também reclamava. Desejava mais isso e aquilo, como se ela já não fizesse e tivesse tanto. E foi falando pra ela sobre a gratidão e o tempo necessário para que as coisas amadurecessem, que me dei conta de que aquele discurso servia também para mim.
Temos sempre tanto, mas nunca olhamos para o que conquistamos. Nossos parâmetros e padrões sempre são externos. É aquela velha história de olhar a grama do vizinho, sabe? A gente se esquece de olhar o quanto caminhamos para chegarmos onde estamos. O quanto lutamos para conquistar qualquer coisa que seja. A vida do outro sempre parece mais interessante, os objetivos dos outros sempre parecem ser os mais certos a se seguir. E nessa toada vamos educando nossos filhos e a nós mesmos a buscarmos sempre mais e mais e mais. E não nos damos conta da preciosidade do que temos hoje. Não celebramos as nossas pequenas conquistas, a nossa coragem, a dádiva de mais um dia de vida.
Uma vez Lama Michel disse que rico não é quem tem muito, mas sim quem é satisfeito com o que tem. Isso me marcou profundamente. Ser rico é ser grato, é ser consciente dos nossos passos, das nossas conquistas, da nossa existência. E isso nada mais é do que viver o presente. É sentir o sabor da comida que nos alimenta, a presença de quem está ao nosso lado, o vento que sopra o nosso rosto, mostrando que temos vida.
Ser grato é perceber que temos aquilo que precisamos para o agora e que o futuro é apenas uma conseqüência do momento presente. É ser aberto à vida, aceitando os desafios que ela nos traz sem rejeição, mas com coragem para aprender o que quer que seja que tenhamos que aprender. E foi olhando ao redor que eu parei de desejar o que não tinha e me dei conta da preciosidade que é a vida. Percebi que mesmo não estando com os sapatos mais confortáveis, eu tinha a oportunidade de descobrir uma estrada completamente nova, com tempo para meus pés se ajustarem naquele novo sapato. Eu não precisava correr e nem voltar atrás em busca dos sapatos antigos. Bastava olhar ao redor e ser grata. Grata por ter conseguido chegar até aqui, gastando inúmeros sapatos e trocando de pares vezes outras. Com calos nos pés e dedos machucados, porém fortes. Podendo andar, adiante e firme. E foi, então, que percebi que estava tudo bem, que não havia razão para sofrer ou reclamar. Eu tinha tudo o que precisava para viver aquele momento, não precisava de mais nada. Fui tomada por uma gratidão imensa, afinal, estava tudo em seu devido lugar. E foi aí que me senti a pessoa mais rica do universo.
por Juliana França | set 5, 2016 | Auto-conhecimento, Budismo
Ratnasambhava – o Buda da Generosidade
Quando falamos em generosidade, imediatamente associamos ao ato de dar algo a alguém. Aprendemos que ser generoso requer um certo desapego material, pois precisamos doar a quem precisa. Durante anos vivi com essa noção de generosidade e sempre que via alguém necessitado diante de mim, imediatamente me sentia na obrigação de ser generosa por sentir pena, por imaginar que deveria dividir, já que eu possuía tanto.
Sempre achei muito bonito isso de compartilhar com os outros algo que é meu. Ainda via a generosidade apenas como uma via de mão única, aquela velha história de partilhar o pão com os irmãos e alimentar a quem tem fome. O que eu não percebia, então, era que essa visão de generosidade ainda era muito arraigada de egoísmo e até mesmo de uma certa soberba. Nessa visão, a generosidade beira a arrogância: “Vou dar porque tenho muito e ele tem tão pouco, tadinho.” Olhando por essa perspectiva, colocamos o outro num lugar menor e nos colocamos num lugar de salvador, aquele que pode tudo. É algo bem sutil, mas que faz toda a diferença.
No budismo tibetano, o Buda que representa a generosidade é Ratnasambhava. Ele está sentado com uma das mãos em postura meditativa e a outra fazendo o mudra da generosidade, como na foto acima. Sua mão aberta simboliza a doação, mas também a receptividade, e é aí que reside a chave da verdadeira generosidade, que é, na sua essência, o antídoto contra a arrogância.
Quando nos sentimos auto-suficientes e superiores, não somos capazes de receber verdadeiramente. Podemos até doar, mas nossa doação será baseada na crença de que temos muito e que o outro tem pouco e nada a nos oferecer, portanto precisamos ajudá-los. Nesse caso, a palavra ‘pena’ cumpre um papel muito perigoso para o ato generoso, pois quando temos pena de alguém, imediatamente nos sentimos numa posição superior e daí não é a nossa generosidade que está atuando e sim a nossa arrogância.
Ser verdadeiramente generoso é estar completamente aberto à vida. É receber sem preconceitos, entendendo as nossas limitações. Todos precisamos de algo, afinal, somos seres que nos relacionamos. Fomos criados para dar (às vezes, nem isso!), mas quase nunca para receber. Já parou para perceber como é difícil receber um elogio? Sempre estamos em busca de um reconhecimento, mas sempre quando recebemos algum, sentimos que é pouco ou fazemos pouco caso. Outro dia me peguei fazendo isso quando elogiaram o meu cabelo. Imediatamente soltei: “Imagina, você está exagerando. São seus olhos.” Eu também já escutei muito de amigos (e até de mim mesma) a seguinte frase: “Adoro ajudar, mas odeio pedir ajuda.” Ora, o que não é isso senão arrogância? Arrogância também é não admitir que somos seres limitados, que também caímos e que precisamos de uma mãozinha de vez em quando. Não é errado demonstrarmos fraqueza, tristeza e qualquer tipo de necessidade. Mas como não queremos que o outro sinta ‘pena’ de nós, a gente se faz de forte e se obriga a ser de ferro. Que furada!
Meus últimos meses foram de muitos aprendizados nesse sentido. Me descobri uma pessoa extremamente arrogante. Sempre estava ali pronta para ajudar quem quisesse e precisasse, tinha uma incrível dificuldade em dizer não. Quando então entendi que aquela minha generosidade era uma fraude. Afinal, eu não sabia receber. Não entendia as minhas limitações, até mesmo a de dizer não. E foi aí que eu percebi a minha humanidade. Pois eu também sofro, também sou fraca, mas também estou rodeada de pessoas incríveis que se importam comigo, me amam e querem me ajudar de alguma forma. E daí me veio a clareza de que a generosidade se torna verdadeiramente completa quando olhamos para o mundo de forma equânime e nos libertamos da nossa arrogância, para receber com gratidão tudo o que a vida nos oferece, sendo capazes de retribuir com amor a todos e não somente aquele que julgamos que precisam, pois o fluxo da generosidade é bi-direcional: todos que dão, recebem algo em troca, de alguma forma. Precisamos apenas ter a clareza para perceber e receber isso.
por Juliana França | ago 8, 2016 | Uncategorized
A natureza usa o inverno como um momento de recolhimento. Recolhem-se as pessoas, as árvores, os animais. Tudo fica mais lento, mais monocromático, mais cinza. Muitos reclamam do inverno, afinal, não é fácil viver sob baixas temperaturas e aguentar um pedido de calma numa rotina que nos ejeta para o fazer constante. É necessário aprender a parar. Esperar. Descansar.
Por mais que não vivamos em zonas com as estações do ano bem marcadas, todos nós temos os nossos invernos próprios. São essas chamadas fases de transição, quando precisamos nos recolher para acumular energia para dar um passo adiante. Tem aqueles dias em que parecemos estar operando com o nível mais limítrofe de bateria, em que desejamos que desliguem logo as luzes e anoiteça por 12 horas, para que possamos desaparecer de tudo e de todos. Nesses momentos, não adianta tentar ascender lanternas e luzes de LED, o nosso corpo precisa descansar. Precisa se dar o tempo de se recarregar, de organizar os pedaços internos, se refazer.
Na natureza é justamente no inverno que as sementes estão na sua maior atividade. Achamos que elas estão ali semi-mortas, mas é nesse recolhimento que internamente elas se preparam para a fase seguinte, a primavera, assim como em nossas vidas.
Viver um inverno interior não é fácil. Como no frio intenso, dói fundo, às vezes até dando a sensação de que os nossos ossos vão se quebrar por completo. A vontade de recolhimento impera, muitas vezes acompanhado por uma grande tristeza. Mas são justamente esses os momentos que nos trazem o maior potencial de amadurecer as nossas sementes mais profundas.
Se olharmos a fundo para os nossos invernos, se aceitarmos com generosidade esses momentos de recolhimento, se nos respeitarmos nos limites de bateria, estaremos nos preparando para uma linda primavera. Pois, exatamente como na natureza, por mais longo e duro que possa ser um inverno, ele acaba. E sempre será precedido pela estação das flores, frutos e temperaturas amenas. Afinal, nenhum inverno dura para sempre, nem mesmo os internos.