Uma visão contemporânea dos relacionamentos
Quem somos nós? Parafraseando o filme que tem atraído a atenção de muitos, penso como seria interessante nos olharmos sob a ótica dessa questão, refletindo sobre quem somos nós, nesse momento de desconstrução e reconstrução de nossas convicções a respeito de nós mesmos. Estamos percebendo que muitas das nossas teorias não encontram ressonância quando as experimentamos em condições mais simples.
Sabemos que devemos ser solidários, amorosos, pacientes e tolerar a diversidade. Mas quando nos relacionamos com outras pessoas, seja no trabalho, com o(a) parceiro(a) amoroso(a) ou com a família, parece que a teoria não acontece na prática e, então, passamos a pensar o que saiu errado. Ou a não pensar, criando uma divisão que nos protege do conflito, da sensação de mal estar, mas que acaba por nos enfraquecer, uma vez que nos separamos de uma parte de nós mesmos deixando que a dicotomia entre o que fazemos e o que acreditamos se estabeleça.
Algo muito importante na nossa história é o substrato que sustenta nossa intenção de sucesso nas nossas relações afetivas. Hoje muitos de nós já se questiona o que mudou, por que o amor romântico não é mais possível, por quê ficar passou a ser uma opção de relacionamento entre jovens e os não tão jovens? Porque assumimos que ninguém tem a posse de ninguém, que o amor é aberto. Mas não conseguimos conter as emoções de raiva, frustração e abandono quando nos apaixonamos e nos assombramos com medo da perda. Achamos que algo está desconectado e não temos mais certezas das teorias que pregamos.
É nesse momento de crise, em que nossa defesa falha, que aparece nossa fragilidade, que muitas vezes adoecemos. São momentos de depressão, insônia, vulnerabilidade a infecções e até crises alérgicas.
Essa história começa lá atrás, quando para sobreviver precisávamos desesperadamente que um outro nos amparasse, nos nutrisse e nos garantisse o aconchego, o carinho e a paciência para que pudéssemos em conforto, nos preparar para a experiência de viver.
Hoje, viver nos parece muito perigoso, ficamos ansiosos com cobranças, não suportamos pressões, temos muito pouca paciência com quem atravanca nosso caminho e tolerância zero com frustrações. Acontece que não sentimos nem mais quem somos nós!
Sentir é a primeira relação que experimentamos com o mundo, experimentamos o mundo em nós. Agradável, desagradável, calor, frio, satisfação e frustração.
A perda de contato com a fonte nutridora e de sustentação nos conta que estamos em risco e que nessa urgência precisamos acionar sistemas de emergência para garantir nossa sobrevivência. Esse alarme em períodos muito iniciais de nosso desenvolvimento provoca uma inundação de emoções e alterações em nosso funcionamento interno que rapidamente mobiliza todos os recursos disponíveis para construir um dique que nos contenha. Habilmente nos encapsulamos para não explodir!
Imaginando essa situação, entendemos que ao lançarmos mão desse recurso tão necessário para a nossa sobrevivência, acabamos caindo numa armadilha, porque começamos a nos distanciar de um recurso fundamental para viver, que é a sensação de ser.
Sem sentir nossa realidade interna, passamos a imaginar quem somos nós, substituindo o sentir pelo fazer e pelo pensar, nos aprisionando nessa desconexão.
Empenhados em nos inventarmos vamos construindo regras que garantem nossa sobrevida, mas não percebemos que deixamos de exercitar e nutrir o que seríamos nós, investindo em modelos que esperam de nós. Complicado não?
Confusos e melancólicos com nossa ausência, sem entender que a perda primordial do núcleo nutridor nos feriu e nos fez carentes, atuamos uma vida de empobrecimento afetivo. As trocas são escassas por isso enrijecemos para não cair, as regras nos amparam e tudo que não é certeza nos ameaça! Vamos buscando fora a confirmação de que existimos e de quanto valemos, quando não vem nos punimos ou punimos o outro. Nosso mundo se aperta, nos pressionamos ou explodimos na busca de confirmação ou negação de quem somos nós.
Se não sei, não existo!
Somos hoje uma população de pensadores, viciados em teorias e informações que possam nos contar sobre nós. Nos viciamos em trabalho, em ginásticas, em drogas, em raivas ruminantes, que excitam nosso corpo.
Como estar com um outro com esse arsenal todo?
Nossos relacionamentos têm nos contado que o encontro com o outro revela nossa ausência e assim desistimos dessa empreitada. Parece que estamos escolhendo trocar a experiência amorosa por excitações fugazes que por um momento nos recorda dessa tão distante sensação de que somos alguém.
Nesse momento de reconstrução de valores, num coletivo em franca transformação, sugiro essa reflexão: Onde estamos nós?