foto: Juliana França

foto: Juliana França

Tenho pensado muito sobre a não agressão e a cultura de paz. Como sermos pacíficos, generosos e cheios de compaixão numa cultura e numa sociedade que nos incita simplesmente o contrário disso tudo?

Recentemente passei por algumas situações que me geraram muita raiva. Todos nós passamos por situações assim, esse não é um privilégio meu. E geralmente, nesses momentos, acumulamos aquela raiva por determinada pessoa ou situação e nos deliciamos ao alimentar cada pensamento negativo, ao soltar cada palavra recheada de mágoa, como se ao falar e contar para outras pessoas esse sentimento fosse desaparecer ou ao menos melhorar, mas mal nos damos conta de que ao fazer isso, em cada gesto, cada olhar, cada pensamento e cada palavra, estamos alimentando mais ainda esse sentimento ruim, que vai aumentando até virar um monstro.

Há uma história de que na noite em que Buda atingira a sua iluminação, ele se sentou sob uma árvore. Enquanto ele estava ali, foi atingido por uma tropa que lançou várias flechas contra ele, mas antes de atingi-lo essas flechas viraram flores. E como isso é possível?

Após ler essa história, fiquei dias refletindo sobre isso. Em como muitas vezes transformamos simples flechas numa tremenda batalha. Às vezes nem percebemos o que está sendo lançado contra nós, apenas vemos uma certa movimentação e já nos levantamos com as nossas armaduras, prontos para a revanche. Nesse movimento nos deixamos contaminar por nossos pensamentos e suposições, já armamos o campo de batalha, damos nomes aos inimigos e imediatamente começamos a chamar gente para a guerra, afinal, temos que ter o maior numero de pessoas ao nosso redor. E assim, quando menos percebemos, a batalha está formada. Passamos grande parte do nosso tempo arquitetando as estratégias para destruir o inimigo e sair ileso da briga. E, de repente, as simples flechas se transformaram (em nossa cabeça) num arsenal de armas perigosas. E tudo isso pra quê?

Fazendo um paralelo com a força Plutoniana*, percebemos que sentimos isso quando algo ameaça a nossa felicidade. Quando percebemos que algo ou alguém surge para tirar aquilo que nos gera prazer, imediatamente somos tomados por uma raiva imensa, uma vontade destrutiva sem igual.

Plutão traz transformação, morte, poder. É uma força externa que age em nossas vidas causando um grande abalo, e, muitas vezes, gerando muita raiva. Eu costumo dizer que existem três fases de lida com a força plutoniana: a fase cobra, águia e fênix. A fase cobra é quando só alimentamos o veneno da raiva e tudo o que mais desejamos é destruir a pessoa/causa que nos gerou tamanha dor. Rastejamos e temos o olhar fixo em um único plano: o da destruição. A fase águia é quando conseguimos sair da situação (e da raiva) e observar por outro ângulo. É quando começamos a ter uma nova percepção sobre os fatos e aceitar o acontecido. Já a fase fênix é quando após ter essa nova visão, transcendemos e transformamos a nossa dor em aprendizado. Não é fácil passar por essas três fases ao lidar com certas dores, mas um olhar pacífico, um sentir não violento, sempre é mais acolhedor que o acúmulo de raiva e rancor. Afinal, ao acumular esses sentimentos negativos, só fazemos mal a nós mesmos.

Ao lidar com os pedidos de transformações que a vida nos traz, precisamos tentar ver flores ao invés de flechas. Plutão mata (física e simbolicamente), mas também transforma e traz poder. Faz parte da dualidade da vida. Como vamos lidar com determinada situação, só depende de nós e da forma como enxergamos os fatos.

Ao sermos atingidos pela raiva por outra pessoa, podíamos fazer um exercício de tentar usar a serenidade e a compaixão para também ver o sofrimento do outro, entender por que ele age assim e como também sofre. Não somos seres isentos de sentimentos. No fundo, o que todos nós buscamos é a nossa felicidade. E entender e aceitar isso nos ajuda a ver flores no lugar de flechas. Não estou dizendo que isso nos isenta da responsabilidade de determinadas atitudes, mas essa visão nos ajuda a ter um olhar mais generoso em relação aos acontecimentos. Só somos capazes de perdoar o outro, se formos capazes de perdoar a nós mesmos. Por isso, experimente abaixar as armas de vez em quando. Talvez a outra pessoa precise apenas de um pouco de compreensão e amor, assim como você e todos nós.

 

*Para entender mais sobre Plutão, leia:  

– Sobre dúvidas astrológicas: mini-guia para principiantes

– Quando tudo se desfaz – Plutão em Capricórnio

 

*Livros indicados para momentos turbulentos:

– Quando tudo se desfaz – Pema Chödrön, Ed. Gryphus

– Iluminação Cotidiana – Yeshe Chödron, Ed. Gaia

– O Livro das Emoções – Bel César, Ed. Gaia

– O Caminho Sábio – Roberto Otsu, Ed. Agora