Novos nós? – Ensaio sobre Quíron em Peixes

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Ver é muito complicado, abrir o olhar em perspectiva é um desafio que exige um horizonte amplo em nossa mente – Vê mais, quem sabe mais. Não o olhar físico de quem fala: é claro que estou vendo, é uma montanha, é uma árvore, é um passarinho, ou daquele que não vê mais nada, tão míope e absorvido pelo medo de se perder no que não quer ver. Estou falando do olhar que enxerga.

Estou falando de se permitir um olhar fresco sobre todo o já sabido, um convite para parar de classificar arquivos mortos, e se inebriar com o vivo, o presente, se deixar tomar pela alegria de ver de novo o novo.
 O que nos proporciona essa visão, esse portal que permite vislumbrar o que ainda não se revelou é a nossa intuição.
Conversar com a vida, restituir o movimento das coisas, e pela imaginação atravessar o ordinário. Permitir que a experiência da visão seja o guia que nos move. Ter a coragem de se afirmar: Sempre eu, mas não o mesmo!

Para mim são essas as chaves para a transformação, tema muito relevante para quem como eu, trabalha com o propósito de instigar reflexões e o desenvolvimento de pessoas. 
Assim pensei em fazer uma releitura de Quíron, que nestes tempos caóticos, orquestrará as mudanças em nossas vidas até fevereiro de 2019. Um mito que nossa visão treinada para não ver, para desconfiar, para nos defender do que não temos repertório para entender, colocou como símbolo de auto-sacrifício e sofrimento. Ícone da espiritualidade vazia.

Quíron, o centauro imortal abandonado pelos pais e adotado por Apolo, foi iniciado nas artes: de curar, de saber e de criar. Em um momento se fere com uma flecha envenenada e torna-se condenado ao sofrimento e à dor eterna.

Esse recorte, visto por uma cultura de condenação e medo, se presta para reforçar nosso vício de reduzir um amplo espectro de potências à impotência.
 Quíron ficou conhecido como o mito do médico ferido, aquele que por saber da dor, se torna curador do outro, mas sente-se impotente diante da própria dor.

Um arquétipo que se encaixa plenamente na nossa cultura judaico-cristã, que valoriza o sofrimento, e a culpa como redenção.
Em tempos de re – significar nossa cultura, não seria o centauro, como um símbolo da força de coesão entre o humano e o instinto, o caminho da transformação?

Quíron, foi iniciado em artes, filosofia, terapias curativas, poesia, musica, ciência e profecia. Tutor de grande heróis gregos como Aquiles, Hércules, Jasão, Asclépio. Trocou sua imortalidade para libertar Prometeu de seu castigo, por ter entregue o fogo à humanidade.

Esse mito tão vinculado às artes e aos heróis ficou por nós estigmatizado como o mito do auto-sacrifício, fixados que somos em religiosidades infantis.
Estes tempos pedem novas respostas para novas realidades!

Muitas vezes perdemos de vista a alegria e ficamos fascinados com as mazelas que solicitam nossas “bondades”. Temos ainda como gozo o medo e o castigo.
 Quíron em Peixes anunciado como fazedor de ilusões, fantasias, piedade, auto sacrifício e descaminhos, pode estar sendo injustiçado quando associado à preconceitos que constrangem o seu sentido.

Me arrisco a afirmar que Quíron como chave da transformação, está nos cobrando uma reparação da sua triste figura. Deve estar farto de ser usado como justificativa de curadores, que por não se disporem a se tratar, se dão em sacrifício como curadores de outros.

Deve se sentir reduzido, a ser associado à dor e ao sofrimento, endossando este caminho como única via de redenção da humanidade.
 Nesse momento em que Quíron, de mãos dadas com Netuno, visita o signo de Peixes, vale a pena lembrar da última passagem dessa dupla por esse signo. Na década de 60, quando eclodiram várias revoluções, estavam eles presentes: na revolução hippie, na contra-cultura, disseminaram a paz e o amor, dançaram nus em Woodstock, fizeram o amor livre e brincaram de expandir a consciência. Fizeram a arte borbulhar nos quatro cantos do planeta, revelando novos horizontes e caminhos originas para redesenhar nosso futuro.

A arte foi a grande mobilizadora desses movimentos, nos fazendo enxergar o invisível e libertando a nossa imaginação.
Estou apostando que esse retorno de Quíron/Netuno em Peixes, trará uma nova revolução instigando-nos a reconectarmos com o que temos de prazer criativo em nossas vidas, e, honestamente, questionar a que Deus depositamos a nossa espiritualidade.

Aliás, espiritualidade é outro tema dessa dupla, mas ao contrário das religiões ordinárias, propõem um mergulho profundo na nossa natureza humana e instintiva, uma comunhão com a nossa essência e o compromisso com a vida que estamos escolhendo.

Não ao fanatismo, não às bondades masoquistas, não à excitação do misticismo.
 A nova religião de Quíron/Netuno em Peixes nos convida a criar pontes de expansão ao que é realmente humano, uma religação com nosso desenvolvimento, incluindo variados aspectos da nossa auto-expressão. Somos criadores do nosso projeto de evolução, acoplando informações, integrando nosso ser, ampliando intercâmbios.
Conectados com o universo, somos criadores. Como criadores somos responsáveis por resgatar o prazer de realizar vida.

Qual Quíron vamos escolher para nos revelar no século XXI?

 

*Por: Lu Teixeira – lucia@ohumanoemnos.com.br

Sonhos

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Os sonhos são os principais motivadores do nosso caminhar na vida. A realização do sonho se dá  no encontro da competência  com a oportunidade. O sonho que sonhamos, organiza a vontade e  nos impulsiona em direção à aventura de realizá-lo. Não existe sonho impossível, existe sonho que demanda maiores investimentos na competência interna e maior acuidade na percepção da oportunidade externa. Por isso uma das questões mais importantes na realização dos sonhos é a capacidade de sentir: quanto mais acurada a percepção de si e do que está fora de si, maior a probabilidade de ajuste entre encontros e possibilidades. Essa condição implica na consciência das capacidades e limites, e na coragem para  ler os obstáculos como disparadores e incentivos para aquisição de mais recursos na travessia de cada etapa do processo.

O grande inimigo da realização dos sonhos é o habito, a cômoda postura de se repetir e evitar o desconhecido. O sonho inspirado, é aquele que nos pega de surpresa, que abre uma fenda nova na nossa estrutura e que se impõem como aventura a ser explorado. Esse sonho inspirado abre caminhos para uma nova dimensão do eu que está latente, e essa força, uma vez acionada, impulsiona, como uma fonte de vitalidade, o projeto para a realização.

Todo sonhar inspirado acorda o nosso herói interno e nos impulsiona a uma jornada. Nosso sonho nos coloca frente à frente a essa jornada. Os obstáculos e desafios acordam os recursos que vão dar corpo e sentido ao que é sonhado, fortalecendo a experiência de auto-conhecimento Todo sonho que acorda o herói nos conduz à nós mesmos. Saímos fortalecidos. O sonho nos convoca a mais conhecimento, instigando a nossa subjetividade. Matura o conhecimento, que leva a sabedoria que se traduz em atitude. Esse ato transforma a nossa vida.

Gosto daquela história que conta que um homem muito religioso, salvo de um naufrágio em uma ilha deserta, implora a Deus que o salve, justificado pela sua fé. Enquanto rezava, passa por ele uma jangada e oferece ajuda, que ele gentilmente declina dizendo: “Não obrigada, Deus vem me salvar!” Tempos depois passa então um navio maior e oferece uma bóia e novamente, o homem rejeita, com a mesma fala. Terceira tentativa, um helicóptero oferece ajuda, e ele novamente  não aceita. Passada uma semana de fome e de sede, o homem começa a perceber que iria morrer e se revolta com Deus, blasfemando: “Por que eu, que sempre fui tão devoto, obediente a Ti, por que me abandonaste?” Ao que Deus responde: “Mandei a jangada, você não me reconheceu, mandei o navio, e nada. Nem o helicóptero você aceitou, respeitei a tua escolha!”

Duas questões se apresentam nessa alegoria que exemplificam o insucesso de nossos sonhos. Achar que somos especiais, e portanto não precisamos investir nada, nem promover mudanças em nossas vidas e a falta de visão para reconhecer o que chega até nós em formato diferente do que foi imaginado. Realizar o sonho, implica em ter visão e visão é conseqüência da sabedoria. Se saber proporciona a visão das circunstâncias que facilitam a realização do sonho.

A realização do sonho está diretamente relacionado ao alinhamento entre o querer e o sentir, para poder através da sensibilidade dar voz e legitimidade à vontade. Estados depressivos, falta de coerência, ausência de intenção são os estados que não permitem o sonho se realizar. Estar em estado de surpresa, olhar o processo sem perder de vista o objetivo, são condições essenciais para o sucesso.

Muitos dos nossos afazeres são alheios à nossa vontade, assim quando estamos atolados por pressão de sobrevivência não conseguimos sonhar, ou os sonhos viram rotas de fuga da realidade. Quando estamos com as necessidades básicas atendidas, plenos de acolhimento, conforto e atenção chegou o momento de sonhar. A disciplina e a determinação são boas aliados. Marque um encontro com si mesmo, cultive o silêncio para sair da excitação caótica, acesse seu interior abrindo espaço para o sentir, mapeando com sinceridade os sonhos que trazem alegria, liberdade e desprendimento. Descarte os sonhos que aumentam seu apego, que se realizados, o aprisionam para a sustentação do conquistado, ou que exaurem sua alegria.

Nunca transfira a realização do sonho para um outro. O outro ou as circunstâncias são coadjuvantes do nosso projeto. Podemos compartilhar sonhos com o outro que sonha o mesmo sonho, nunca impor o sonho a um outro que não está em sintonia com nossos anseios. Uma parceria boa é aquela que soma intenção e compartilha satisfação.

Como diz o poeta Ferreira Gullar, “que a força do medo não me impeça de ver o que eu anseio”.

 

Lu Teixeira: lucia@ohumanoemnos.com.br

 

 

Uma visão contemporânea dos relacionamentos

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Quem somos nós? Parafraseando o filme que tem atraído a atenção de muitos, penso como seria interessante nos olharmos sob a ótica dessa questão, refletindo sobre quem somos nós, nesse momento de desconstrução e reconstrução de nossas convicções a respeito de nós mesmos. Estamos percebendo que muitas das nossas teorias não encontram ressonância quando as experimentamos em condições mais simples.

Sabemos que devemos ser solidários, amorosos, pacientes e tolerar a diversidade. Mas quando nos relacionamos com outras pessoas, seja no trabalho, com o(a) parceiro(a) amoroso(a) ou com a família, parece que a teoria não acontece na prática e, então, passamos a pensar o que saiu errado. Ou a não pensar, criando uma divisão que nos protege do conflito, da sensação de mal estar, mas que acaba por nos enfraquecer, uma vez que nos separamos de uma parte de nós mesmos deixando que a dicotomia entre o que fazemos e o que acreditamos se estabeleça.

Algo muito importante na nossa história é o substrato que sustenta nossa intenção de sucesso nas nossas relações afetivas. Hoje muitos de nós já se questiona o que mudou, por que o amor romântico não é mais possível, por quê ficar passou a ser uma opção de relacionamento entre jovens e os não tão jovens? Porque assumimos que ninguém tem a posse de ninguém, que o amor é aberto. Mas não conseguimos conter as emoções de raiva, frustração e abandono quando nos apaixonamos e nos assombramos com medo da perda. Achamos que algo está desconectado e não temos mais certezas das teorias que pregamos.

É nesse momento de crise, em que nossa defesa falha, que aparece nossa fragilidade, que muitas vezes adoecemos. São momentos de depressão, insônia, vulnerabilidade a infecções e até crises alérgicas.

Essa história começa lá atrás, quando para sobreviver precisávamos desesperadamente que um outro nos amparasse, nos nutrisse e nos garantisse o aconchego, o carinho e a paciência para que pudéssemos em conforto, nos preparar para a experiência de viver.

Hoje, viver nos parece muito perigoso, ficamos ansiosos com cobranças, não suportamos pressões, temos muito pouca paciência com quem atravanca nosso caminho e tolerância zero com frustrações. Acontece que não sentimos nem mais quem somos nós!

Sentir é a primeira relação que experimentamos com o mundo, experimentamos o mundo em nós. Agradável, desagradável, calor, frio, satisfação e frustração.

A perda de contato com a fonte nutridora e de sustentação nos conta que estamos em risco e que nessa urgência precisamos acionar sistemas de emergência para garantir nossa sobrevivência. Esse alarme em períodos muito iniciais de nosso desenvolvimento provoca uma inundação de emoções e alterações em nosso funcionamento interno que rapidamente mobiliza todos os recursos disponíveis para construir um dique que nos contenha. Habilmente nos encapsulamos para não explodir!

Imaginando essa situação, entendemos que ao lançarmos mão desse recurso tão necessário para a nossa sobrevivência, acabamos caindo numa armadilha, porque começamos a nos distanciar de um recurso fundamental para viver, que é a sensação de ser.

Sem sentir nossa realidade interna, passamos a imaginar quem somos nós, substituindo o sentir pelo fazer e pelo pensar, nos aprisionando nessa desconexão.

Empenhados em nos inventarmos vamos construindo regras que garantem nossa sobrevida, mas não percebemos que deixamos de exercitar e nutrir o que seríamos nós, investindo em modelos que esperam de nós. Complicado não?

Confusos e melancólicos com nossa ausência, sem entender que a perda primordial do núcleo nutridor nos feriu e nos fez carentes, atuamos uma vida de empobrecimento afetivo. As trocas são escassas por isso enrijecemos para não cair, as regras nos amparam e tudo que não é certeza nos ameaça! Vamos buscando fora a confirmação de que existimos e de quanto valemos, quando não vem nos punimos ou punimos o outro. Nosso mundo se aperta, nos pressionamos ou explodimos na busca de confirmação ou negação de quem somos nós.

Se não sei, não existo!

Somos hoje uma população de pensadores, viciados em teorias e informações que possam nos contar sobre nós. Nos viciamos em trabalho, em ginásticas, em drogas, em raivas ruminantes, que excitam nosso corpo.

Como estar com um outro com esse arsenal todo?

Nossos relacionamentos têm nos contado que o encontro com o outro revela nossa ausência e assim desistimos dessa empreitada. Parece que estamos escolhendo trocar a experiência amorosa por excitações fugazes que por um momento nos recorda dessa tão distante sensação de que somos alguém.

Nesse momento de reconstrução de valores, num coletivo em franca transformação, sugiro essa reflexão: Onde estamos nós?