Quando falamos em generosidade, imediatamente associamos ao ato de dar algo a alguém. Aprendemos que ser generoso requer um certo desapego material, pois precisamos doar a quem precisa. Durante anos vivi com essa noção de generosidade e sempre que via alguém necessitado diante de mim, imediatamente me sentia na obrigação de ser generosa por sentir pena, por imaginar que deveria dividir, já que eu possuía tanto.
Sempre achei muito bonito isso de compartilhar com os outros algo que é meu. Ainda via a generosidade apenas como uma via de mão única, aquela velha história de partilhar o pão com os irmãos e alimentar a quem tem fome. O que eu não percebia, então, era que essa visão de generosidade ainda era muito arraigada de egoísmo e até mesmo de uma certa soberba. Nessa visão, a generosidade beira a arrogância: “Vou dar porque tenho muito e ele tem tão pouco, tadinho.” Olhando por essa perspectiva, colocamos o outro num lugar menor e nos colocamos num lugar de salvador, aquele que pode tudo. É algo bem sutil, mas que faz toda a diferença.
No budismo tibetano, o Buda que representa a generosidade é Ratnasambhava. Ele está sentado com uma das mãos em postura meditativa e a outra fazendo o mudra da generosidade, como na foto acima. Sua mão aberta simboliza a doação, mas também a receptividade, e é aí que reside a chave da verdadeira generosidade, que é, na sua essência, o antídoto contra a arrogância.
Quando nos sentimos auto-suficientes e superiores, não somos capazes de receber verdadeiramente. Podemos até doar, mas nossa doação será baseada na crença de que temos muito e que o outro tem pouco e nada a nos oferecer, portanto precisamos ajudá-los. Nesse caso, a palavra ‘pena’ cumpre um papel muito perigoso para o ato generoso, pois quando temos pena de alguém, imediatamente nos sentimos numa posição superior e daí não é a nossa generosidade que está atuando e sim a nossa arrogância.
Ser verdadeiramente generoso é estar completamente aberto à vida. É receber sem preconceitos, entendendo as nossas limitações. Todos precisamos de algo, afinal, somos seres que nos relacionamos. Fomos criados para dar (às vezes, nem isso!), mas quase nunca para receber. Já parou para perceber como é difícil receber um elogio? Sempre estamos em busca de um reconhecimento, mas sempre quando recebemos algum, sentimos que é pouco ou fazemos pouco caso. Outro dia me peguei fazendo isso quando elogiaram o meu cabelo. Imediatamente soltei: “Imagina, você está exagerando. São seus olhos.” Eu também já escutei muito de amigos (e até de mim mesma) a seguinte frase: “Adoro ajudar, mas odeio pedir ajuda.” Ora, o que não é isso senão arrogância? Arrogância também é não admitir que somos seres limitados, que também caímos e que precisamos de uma mãozinha de vez em quando. Não é errado demonstrarmos fraqueza, tristeza e qualquer tipo de necessidade. Mas como não queremos que o outro sinta ‘pena’ de nós, a gente se faz de forte e se obriga a ser de ferro. Que furada!
Meus últimos meses foram de muitos aprendizados nesse sentido. Me descobri uma pessoa extremamente arrogante. Sempre estava ali pronta para ajudar quem quisesse e precisasse, tinha uma incrível dificuldade em dizer não. Quando então entendi que aquela minha generosidade era uma fraude. Afinal, eu não sabia receber. Não entendia as minhas limitações, até mesmo a de dizer não. E foi aí que eu percebi a minha humanidade. Pois eu também sofro, também sou fraca, mas também estou rodeada de pessoas incríveis que se importam comigo, me amam e querem me ajudar de alguma forma. E daí me veio a clareza de que a generosidade se torna verdadeiramente completa quando olhamos para o mundo de forma equânime e nos libertamos da nossa arrogância, para receber com gratidão tudo o que a vida nos oferece, sendo capazes de retribuir com amor a todos e não somente aquele que julgamos que precisam, pois o fluxo da generosidade é bi-direcional: todos que dão, recebem algo em troca, de alguma forma. Precisamos apenas ter a clareza para perceber e receber isso.